terça-feira, 18 de agosto de 2009

Editorial sobre a inclusão total

Está nas mãos do ministro da Educação, Fernando Haddad, o parecer CNE-13/2009, que estabelece a matrícula obrigatória dos alunos com deficiências mentais, transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação nas classes das escolas comuns do Brasil, a partir de janeiro de 2010. Só o fato de estabelecer a obrigatoriedade já nos faz refletir se estamos vivendo numa sociedade realmente democrática. Ao elaborar o parecer, o Conselho Nacional de Educação (CNE) não considerou os interesses das famílias e das pessoas com deficiências e, em nome da inclusão, decide que o melhor lugar para a pessoa com deficiência mental é a classe comum, pondo assim as famílias, as pessoas atendidas e as entidades como meras espectadoras das mudanças que afetarão seus direitos e liberdades fundamentais. As pessoas, entidades e famílias não foram ouvidas nem opinaram sobre a decisão do CNE, unilateral.
Não se pode promover uma inclusão escolar plena a qualquer preço e por decreto, até à custa da extinção das escolas especiais do País, como se isso fosse a garantia de que as pessoas com deficiências teriam ali a verdadeira educação inclusiva. A escola especial funciona legalmente amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em vigor. Extingui-la não garante o sucesso da inclusão, tampouco a qualidade da educação devida às pessoas com deficiência. Segundo dados do próprio Ministério da Educação (MEC) - Censo Escolar de 2007 -, apenas 18% das escolas públicas no Brasil têm banheiros adaptados a deficientes, 12% possuem rampas e acessos adequados e só 13% oferecem salas de recursos para atendimento educacional especializado. Ora, se essas escolas não têm acessibilidade para pessoas com deficiências físicas, como atenderão ainda pessoas com deficiência visual e auditiva, que precisam de bibliotecas e materiais suficientes na linguagem Braile e professores intérpretes na linguagem Libras? E que tipo de atendimento uma pessoa com deficiência mental terá numa escola comum? Dos 25,5 milhões de pessoas com deficiências no Brasil (IBGE-2000), as Associações de Pais e Amigos do Excepcional (Apaes) do Brasil atendem menos de 400 mil. O MEC deveria conhecer melhor as escolas especiais e o tipo de atendimento que é oferecido.
O atendimento é especializado e muitas das escolas das Apaes no Paraná foram construídas com dinheiro da comunidade, sem dinheiro público. Então, por que o MEC não se torna um grande parceiro da educação especial? O discurso do CNE e do MEC é que as Apaes criam nichos segregatórios e, assim, não fazem inclusão. Discordo veementemente, pois temos dados estatísticos no Paraná, por exemplo: nos últimos cinco anos (2004 a 2008) as Apaes do Estado incluíram no ensino comum cerca de 3.984 educandos e puseram no mercado de trabalho cerca de 1.668 alunos, que foram trabalhados na educação profissional das escolas especiais mantidas pelas Apaes. Tivemos também o regresso de 394 alunos que não se adaptaram à escola comum, e isso é uma realidade não só no Paraná, mas em todo o País. As escolas especiais do Paraná são autorizadas pela Secretaria de Estado da Educação e, com professores especializados na área, têm currículo, planejamento pedagógico, projeto político-pedagógico e regimento escolar. Funcionam de forma legal. E a Constituição federal não diz que o aluno com deficiência deve estar exclusivamente na escola comum.
As escolas especiais educam para o trabalho na educação profissional, a custo zero para o governo federal - não existe nenhum financiamento ou apoio do governo na área -, as pessoas com deficiências intelectuais. Esse atendimento especializado é feito em turmas de cinco ou seis alunos, para que se possa atender às reais necessidades de cada um. Qual será a qualidade do ensino/aprendizado de alunos com deficiências intelectuais inseridos em salas do ensino comum com 30 a 40 alunos?
O MEC não conhece os resultados da educação especial realizada pelas ONGs. Seria muito bom que divulgasse amplamente todos os seus dados estatísticos e indicadores de pesquisas oficiais que demonstrem à sociedade que a inclusão na sala comum garante a aprendizagem e a participação de todos. Fazer inclusão não é só estar na escola, é oferecer atendimento educacional e total à pessoa com deficiência, desde a infância, adolescência, na idade adulta, e amparo na velhice. É isso que as Apaes fazem e com certeza farão sempre melhor com apoio das esferas de governo. As Apaes não são inimigas do MEC, são parceiras, assim como as Pestalozzis, escolas de cegos e escolas de surdos, que em milhares de estabelecimentos no País construíram há mais de 50 anos a Escola de Educação Especial, que pode não ser ainda o lugar ideal, mas o espaço necessário para que as pessoas com deficiências tenham atendimento educacional e profissional adequado com o respeito e a dignidade que toda pessoa merece.
A inclusão social e educacional é necessária e precisa ser construída no diálogo com as famílias, que também são comprometida com a educação de seus filhos, segundo nossa Carta Magna. Há ainda que respeitar o direito de ir e vir dos cidadãos, garantidos pela Constituição.
As famílias estão preocupadas, pois fazer uma inclusão radical poderá comprometer a qualidade de vida, porque as pessoas com comprometimentos mais severos poderão não se adaptar, e sem mais escolas especiais essas pessoas não terão espaços para ser atendidas. Além disso, no Brasil não há um programa de governo que atenda as pessoas com deficiências sem família ou abrigo. Várias Apaes no Paraná já mantêm casas abrigos para essas pessoas, mesmo sem apoio governamental. Esperamos, assim, a mudança no teor da resolução do CNE, deixando como opção também a escola comum, e a família escolherá o melhor espaço para seus filhos. São necessárias sensibilidade e coerência do ministro Haddad antes de homologar o parecer, pois milhares de famílias estão angustiadas e apreensivas com o futuro de seus filhos.
José Turozi
Agência Estado, 15/08/2009 - São Paulo SP